domingo, 13 de setembro de 2009

TEMPOS MODERNOS

(por Diogo Ribeiro)

Durante séculos, o ser humano buscou a superação de si mesmo. Acelerou radicalmente o processo tecnológico, sempre atrás de substituir ou aperfeiçoar algo que já havia criado, mais ou menos como a natureza faz durante o processo de evolução das espécies. A diferença é que, enquanto a natureza leva séculos, milênios para fazer isso, o homem faz em anos, ou até meses. Se for comparado o tempo de existência do planeta Terra no Universo com o do ser humano, percebe-se o quanto isso é verdadeiro. Enquanto o mundo tem alguns bilhões de anos, o surgimento do homem moderno data de 100.000 anos, um período ínfimo perto da idade do planeta. O mais incrível é que nesse curto período o ser humano já dominou a Terra - é "o dono do mundo". Com tantas acelerações radicais, o que nos espera nesse próximo milênio? O homem ainda é o dominador, ou será que as máquinas já estão em processo de igualdade? Já podemos perceber que influência das tecnologias é determinante na maneira de viver do ser humano moderno.

Os novos aparatos eletrônicos agilizam e aceleram o cotidiano, trazendo como resultado uma vida humana mais dinâmica. Contraditoriamente, o homem parece ter, hoje, menos tempo livre do que tinha há alguns anos quando não dispunha de todas essas facilidades neotecnológicas.

O texto deste site foi retirado de um trabalho desenvolvido durante o curso de História do Cinema na Universidade de Brasília, durante o primeiro semestre letivo de 2000, no qual apresentei uma análise do filme "Tempos Modernos", de Charles Chaplin . Os comentários feitos no primeiro parágrafo deste texto tomam corpo à medida em que se entra em contato com o tema central do filme: o esmagamento sofrido pelo indivíduo num mundo racionalizado e a impossibilidade de sobrevivência de um espírito livre e alegre no planeta da mecanização, dos grandes negócios, da polícia - braço direito opressor do Estado...

Obra-prima do cinema mundial, "Tempos Modernos" satiriza a vida industrial: Carlitos, o adorável vagabundo, é um operário de uma fábrica supermoderna. Carlitos entra em crise, perde o emprego e é obrigado a partir para a briga contra um mal da vida moderna: o desemprego. A sátira à industrialização é feita de forma engraçada, mas triste. Afinal, nem sempre a verdade é bela e feliz. Mas pode ser engraçada.

RESUMO DO FILME


por Diogo Ribeiro



Tempos Modernos é uma história sobre
a indústria, a iniciativa privada e a
humanidade em busca da felicidade.

(Charles Chaplin, em frase no início do filme)


O filme conta a história de um operário e uma jovem. O primeiro (Charles Chaplin) é um operário empregado de uma grande fábrica. Esse operário desempenha o trabalho repetitivo de apertar parafusos. De tanto apertar parafusos, o rapaz tem problemas de stress e, estafado, perde a razão de tal forma que pensa que deve apertar tudo o que se parece com parafusos, como os botões de uma blusa, por exemplo. Ele é despedido e , logo em seguida, internado em um hospital. Após ficar algum tempo internado, sai de lá recuperado, mas com a eterna ameaça de estafa que a vida moderna impõe: a correria diária, a poluição sonora, as confusões entre as pessoas, os congestionamentos, as multidões nas ruas, o desemprego, a fome, a miséria...

Logo que sai do hospital, se depara com a fábrica fechada. Ao passar pela rua, nota um pano vermelho caindo de um caminhão. Ao empunhar o pano na tentativa de devolvê-lo ao motorista do caminhão, atrai um grupo enorme de manifestantes que passava por ali. Por engano, a polícia o prende como líder comunista, simplesmente pelo fato de ele estar agitando um pano vermelho, parecido com uma bandeira, em frente a uma manifestação. Após passar um tempo preso, o operário é solto pela polícia por agradecimento, uma vez que ajudou na prisão de um traficante de cocaína que tentava fugir da prisão.

Nesse momento, surge a outra personagem do filme, "a moça – uma menina do cais que se recusa a passar fome". A jovem (Paulette Goddard), vivendo na miséria, tem de roubar alimentos para comer, pois, além disso, mora com as suas duas irmãs menores, seu pai está desempregado e as três são órfãs de mãe. O pai morre durante uma manifestação de desempregados e as duas pequenas são internadas em um orfanato. A moça foge para não ser internada e volta a roubar comida. Numa de suas investidas, ela conhece o operário: depois de roubar o pão de uma senhora, a polícia vai prendê-la e o operário assume a autoria do assalto. A polícia o prende , mas o solta em seguida após descobrir o engano. Quando vê a moça sendo presa, o operário arma um esquema para ser preso também: rouba comida em um restaurante. São colocados no mesmo camburão e, durante um acidente com o carro, os dois fogem e vão morar juntos.

O operário, nosso querido Carlitos, procura emprego e consegue um como segurança em uma loja de departamentos. Logo é despedido por não ter conseguido evitar um assalto e por dormir no serviço. No entanto, consegue emprego numa outra fábrica, consertando máquinas. Durante uma greve na fábrica, Carlitos é preso mais uma vez, agora por "desacato à autoridade policial". Alguns dias depois, ele é liberado e a jovem o espera na saída da prisão para levá-lo a nova casa – um barraco de madeira perto de um lago. A jovem consegue, então, emprego em um café com dançarina e arruma outro para Carlitos, só que como garçom/ cantor. Os dois são um sucesso, principalmente Carlitos que, durante uma improvisação de uma música, arranca milhares de aplausos dos presentes ao café.

Para estragar a festa, no entanto, surge novamente a polícia, desta vez com uma caderneta com os dados da moça e uma ordem para prender a jovem num orfanato. Carlitos e moça fogem e terão de começar tudo novamente...

BREVE BIOGRAFIA DE CHAPLIN


1889 - Nasce no dia 16 de abril, às 20 horas, em East Lane, Walworth, Londres, filho dos artistas de variedades Hannah e Charles Chaplin.

1895 - Estréia no teatro, cantando Jack Jones . Participa da companhia The Eight Lancashire's Lads . O garoto treina para acrobata, mas uma queda faz com que desgoste do circo.

1896 - Hannah Chaplin é hospitalizada para tratar de uma depressão nervosa. Charles e seu irmão Sydney passam dois anos num orfanato.

1901 - Morre seu pai, vitimado de alcoolismo.

1900 a 1911 - Trabalha em diversas peças de teatro, como Peter Pan, Sherlock Holmes e O gato de botas . Vai para a companhia London Comedians, de Fred Karno, onde permanece até 1911. Viaja pela primeira vez aos EUA com a companhia de Karno.

1912/1913 - Em sua segunda viagem aos Estados Unidos, alcança grande sucesso. É contratado pela Keystone Comedy Film para trabalhar como ator de cinema pelo período de um ano, com o salário de 150 dólares semanais.

1914 - Cria o personagem Carlitos e faz diversos filmes. Entre eles: Carlitos repórter, Corrida de automóveis para meninos, Carlitos dançarino, Carlitos e Mabel assistem às corridas etc.

1915 - Assina um contrato semanal de 1250 dólares com a Essanay para todo o ano. Todos os seus filmes passam a ser escritos e dirigidos por ele mesmo. Alguns filmes desse ano: Carlitos se diverte, Campeão de Boxe, O vagabundo, Carlitos em apuros etc.

1916 - Assina com a Mutual um contrato de 670 mil dólares para a realização de 12 filmes durante um ano. Alguns títulos produzidos: Carlitos no armazém, Carlitos bombeiro, Carlitos patinador , dentre outros.

1918 - Assina contrato com a First National e inaugura o seu próprio estúdio em Hollywood. Casa-se em outubro com a atriz Mildred Harris.

1920 - Divorcia-se de Mildred Harris.

1921 - Estréia O garoto e A classe ociosa.

1922 - Hannah Chaplin se junta aos filhos nos EUA e se instala em Santa Mônica.

1924 - Casa-se com Lolita Mac Murray, conhecida por Lita Gray.

1925 - Estréia de A corrida do ouro. Nasce o seu primeiro filho, Sydney Chaplin.

1927 - Divorcia-se de Lita Gray.

1931 - Estréia de Luzes da cidade.

1933 - Casa-se com Paulette Goddard.

1936 - Estréia de Tempos modernos.

1940 - Estréia de O grande ditador.

1941 - Divorcia-se de Paulette Goddard.

1943 - Casa-se com Oona O'Neill.

1947 - Estréia de Monsieur Verdoux.

1952 - Vai para a Europa. Estréia de Luzes da Ribalta.

1954 - Ganha o Prêmio Internacional da Paz.

1957 - Estréia do filme Um rei em Nova York

1962 - Recebe o título de doutor honoris causa pela Universidade de Oxford.

1966 - Realiza seu último filme: A condessa de Hong Kong.

1968 - Suicídio de seu filho Charles Chaplin Jr.

1972 - Recebe dos americanos o prêmio Oscar de Cinematografia.

1975 - Recebe o grau de Cavaleiro da rainha inglesa Elizabeth II .

1977 - Falece, aos 88 anos, no dia de natal.

fonte: CLARET, Martin (Coord.). O pensamento vivo de Chaplin. São Paulo, Martin Claret Editores, 1986.

HISTÓRICO DO FILME


Por volta de 1932, Chaplin começou a trabalhar na história do filme que, a princípio, iria se chamar The Masses ( "As massas"). Durante o outono, seu amigo Joseph Shenck apresentou-lhe Paulette Goddard e Chaplin a contratou para o seu próximo filme. Paulette e Chaplin foram os protagonistas de Tempos Modernos. Em 1933 casou-se em segredo com ela, durante um cruzeiro.

Em 1934 terminou de escrever a história e, em outubro do mesmo ano, começou a filmá-la. No estúdio da avenida La Brea, modernizado e sonorizado, foram construídos vários cenários, sendo o mais importante o da fábrica. No bairro do porto em Los Angeles, outro grande cenário foi construído, só que este aberto, representando um bairro operário. Esse cenário chegou a cobrir dois hectares do terreno.

A filmagem e montagem terminaram em 1935. A mise-en-scène levou 10 meses , no total, para ficar pronta. No outono desse ano, Chaplin escreve a partitura das músicas do filme. Teve, nessa etapa, a ajuda de Alfred Newman, Edward Powell e David Raskin para o arranjo e a orquestração.

No dia 5 de fevereiro de 1936, o filme Modern Times ("Tempos Modernos") estréia no Rivoli Theatre, de Nova York.

Tempos Modernos custou um milhão e meio de dólares, sendo 500.000 somente para a construção da grande máquina em que Chaplin é engolido com Chester Conklin (ator do filme, fez o papel de um operário mecânico.). O filme, recebido friamente pela crítica americana (foi acusado de comunista), rendeu apenas um milhão e oitocentos mil dólares nos Estados Unidos. Foi proibido na Itália e na Alemanha, mas alcançou grande sucesso na Inglaterra, na França e na União Soviética.

FICHA TÉCNICA DO FILME

Nome original: Modern Times
Direção: Charles Chaplin
Assistentes: Carter De Haven e Henry Bergman.
Cenografia: Charles D. Hall e Russel Spencer
Fotografia: Rollie Totheroh e Ira Morgan
Música: composta por Charles Chaplin, sob arranjo de Alfred Newman, Edward Powell e David Raksin.
Atores principais: Charles Chaplin ( um operário) e Paullete Goddard ( a jovem).
Atores coadjuvantes: Henry Bergman (o dono do café), Chester Conklin (o mecânico) , Allan Garcia (o diretor da fábrica), Stanley Sanford (outro operário), Hank Mann (um prisioneiro), Lloyd Ingraham (o diretor da prisão), Louis Natheaux, Wilfred Lucas, Heinie Conklin, Edward Kimball, John Rand, Murdock McQuarrie, Dick Alexander, Cecil Reynolds, Myra McKinney, Ed le Sainte, Fred Malatesta, Sam Stein, Juana Sutton, Stanley Blystone e Ted Oliver.

ARTIGOS E ENSAIOS



Neste blog são encontrados artigos, ensaios, textos diversos, sendo alguns escritos pelo dono do blog. Tais textos trazem como tema o filme Tempos Modernos em si e/ou a temática do mesmo, que é a modernidade e suas consequências para a vida humana. Aqui também é o espaço para os que desejam publicar textos a respeito de Tempos Modernos ou do tema abordado por ele. Para tanto, é preciso apenas enviar um e-mail para deogus@yahoo.com.br . É importante que se saiba, no entanto, que todos os textos enviados serão previamente lidos antes de serem publicados no blog.

Qualquer semelhança é mera coincidência


(por Diogo Ribeiro)

Tempos Modernos parece ter servido como fonte de inspiração a diversos filmes. Por diversas vezes, há trechos do filme que lembram outros que foram produzidos depois dele.

Numa de suas mais famosas cenas, Chaplin enfrenta traficantes na prisão. A forma como briga com os bandidos, batendo suas cabeças contra as portas e contra outras cabeças e a forma como desvia dos tiros dados pelo bandido são inconfundíveis. Para o observador da cena, basta vestir o Carlitos com uma capa vermelha, um uniforme azul com um "S" estampado no peito e pronto: lá está o Superman!

A reprodução repetitiva, a produção em escala que torna homem "apenas mais um tijolo no muro", como diz a música Another brick in the wall, do Pink Floyd, não deixa as pessoas pensarem. Numa das primeiras cenas de Tempos Modernos, um rebanho de ovelhas corre em uma direção – todas são iguais. Em seguida, uma multidão de pessoas andando juntas se parecem todas iguais – com o mesmo biotipo e roupa. Não se consegue perceber os rostos cobertos pelos chapéus. Algo parecido é visto no filme The Wall , do Pink Floyd. Durante uma cena, com a música Another brick in the wall ao fundo, ocorre uma produção de alunos em série, como se estes fossem artefatos de uma fábrica.

Vendo o filme de Chaplin, e observando-se a escassez forçada do tempo por causa da repressão do diretor da fábrica que monitora todos os funcionários por meio de telas de vídeo nas paredes lembra e muito, o terrorismo aplicado pelo Big Brother aos componentes do "Partido" na história de George Orwell. Em 1984, livro de Orwell escrito nos anos 40 (depois virou filme), o Big Brother é um ditador que monitora a vida das pessoas por meio de "tele-telas" (como as telas de vídeo de Tempos Modernos). Tais "tele-telas" estão presentes até nas casas das pessoas, ou seja, interfere-se até em suas vidas íntimas. Todos vivem sob uma enorme tensão. Em Tempos Modernos, por exemplo, a obsessão do diretor da fábrica é tanta que há telas de vídeo até nas paredes do banheiro, numa prova clara de invasão de privacidade. Assim como Tempos Modernos, 1984 também conta a história de pessoas que são subordinadas a outras que estão em posição hierárquica superior. Se em 1984 há um Big Brother obrigando as pessoas a trabalhos repetitivos e contribuindo para a sua alienação, uma vez que, com muito trabalho não se sobra tempo para pensar e questionar, em Tempos Modernos há o diretor da fábrica que faz o mesmo.

E quem não se lembra das cenas em que o Pernalonga e o Patolino eram engolidos por máquinas enquanto produziam bombas em um desenho animado? A cena mais famosa de Tempos Modernos é aquela em que Carlitos é devorado pelas máquinas e passa por toda a engrenagem delas.

Num mundo onde a maquinização é um processo cada vez mais forte e as novas tecnologias acabam por tirar o emprego do homem e tomar o seu lugar, Chaplin ironiza tal processo numa cena em que uma máquina de alimentar funcionários é anunciada ao diretor da fábrica por um vendedor mecânico. Na hora da propaganda, tudo funciona direito, porém, na prática, a máquina é um desastre, dando a entender que, felizmente, há coisas que somente as pessoas podem fazer. Entretanto, tal cena não seria um prenúncio da invasão das máquinas e da formação de um mundo virtual, onde o homem não passa de mero coadjuvante de seres robóticos? Chega o século XXI: o mundo real, da maneira como era concebido em 1999, não existe mais a não ser em uma realidade virtual. Os seres humanos são todos condicionados a pensar que as coisas não mudaram e estão todos vivendo uma alucinação forçada. Existem duas realidades: uma é a do mundo real, da qual todos fazem parte, mas não tomam conhecimento e a outra é a realidade virtual, ordenada pela tecnologia, realidade essa que as pessoas acreditam viver. A vida, da forma como era, não existe mais. Só o que existe é Matrix. Em Matrix, as máquinas são o Estado, dominaram o mundo. Todo o mal é causado por elas, mas tem sua origem na ganância humana, que construiu as máquinas. E Chaplin bem que tentou avisar...

Qualquer semelhança é mera coincidência...