domingo, 13 de setembro de 2009

TEMPOS MODERNOS - COMO SE PRODUZ A DESIGUALDADE


Por MAGRU FLORIANO (magru@cehcom.univali.br ou magru@mailbr.com.br )

Sátira mordaz à vida industrial... aqui Chaplin interpreta o empregado de uma fábrica supermoderna, que entra em crise, perde o emprego e é obrigado a enfrentar a depressão americana .

TEMPOS MODERNOS foi produzido no ano de 1936 e se constitui em uma das mais expressivas críticas que o cinema promoveu, tendo como tema central a sociedade industrial capitalista. Nenhuma questão relevante passou despercebida à inteligência crítica de Charles Chaplin, que em 87 minutos sintetizou a agonia secular de uma maioria oprimida e marginalizada - a classe trabalhadora. Não constitui obra do acaso, o fato deste ter sido o último filme em que Chaplin trabalha o personagem do vagabundo Carlitos, já que é uma síntese perfeita da sua visão sobre o Capitalismo, que vinha apresentando ao público em conta-gotas.

O filme inicia mostrando ao fundo um grande relógio, o símbolo maior dos Tempos Modernos. Tempo é dinheiro e reside aí o espírito do capitalismo. Um passo à frente, temos um rebanho de gado-gente, correndo desesperado para o abatedouro-fábrica. Chaplin não esconde sua visão da bestialidade humana. Gente que se submete a viver amontoada, sem propósito, como gado domesticado. Mais do que o Capitalismo, critica profundamente a Sociedade Industrial, seu ritmo alucinante, a falta de qualidade de vida e seus propósitos irracionais. Evidencia que a velocidade da máquina não pode ser a velocidade do ser humano, sob pena de não termos mais seres humanos, apenas bestas humanas.

O relógio, as pessoas caminhando como gado, já seriam elementos suficientes para analisarmos com mais consciência o sistema de vida proporcionado pela visão industrial-capitalista. Mas, ele aprofunda ainda mais esta sua crítica ao abordar, com detalhes, a questão da Linha de Montagem e suas seqüelas desastrosas na psique humana. O esforço humano em trabalhar como um relógio, dentro de um sistema de repetição mecânica, contínua e cronometrada, acaba por levar a pessoa a ficar com sérios problemas neurológicos e psicológicos. Os mais fortes acabam sobrevivendo como se fossem máquinas, em um cotidiano sem esperança, criatividade ou alegria, onde a única atividade é a repetição de um par de gestos mecânicos simples.

Como conseqüência direta da implantação da Linha de Montagem e a busca sistemática do seu aperfeiçoamento, visando unicamente a produção, temos uma lógica produtiva que desqualifica, em pouco tempo, muitos trabalhadores como mão-de-obra apta para o sistema. Estas pessoas mais sensíveis à ação danosa do Fordismo-Taylorismo, são peremptoricamente levadas para Instituições-Depósito, como é o caso dos hospitais, asilos, manicômios e até penitenciárias - dependendo de cada caso e da resposta de desajustamento social dada pelo trabalhador vítima do sistema estressante e alienante .

Nenhuma outra obra de arte conseguiu expressar melhor este sentimento de impotência que a maioria oprimida sente diante dos mecanismos impessoais do sistema capitalista-industrial, como no quadro em que Carlitos é literalmente tragado pela grande máquina. Cena bela e extraordinariamente repleta de significado: o homem moderno absorvido por completo, de forma paralisante, pelas engrenagens do sistema. O homem devorado pela máquina, por ela é usado até o seu limite. Trocando de papéis, a máquina faz do homem uma máquina, que ao chegar ao seu esgotamento físico é jogada na lixeira do mundo produtivo - as Instituições-depósito.

Este é o lado mais cruel da sociedade industrial, um monstro devorador de vidas. A máquina aparece como um Capitão-do-mato que se mudou para a cidade. Os escravos agora passam a responder pelo nome de trabalhadores ou proletários. Esta maioria é vista pelo patrão como um grande ônus, sendo que todo o esforço do capitalista, proprietário das máquinas, vai ser no sentido de tirar o máximo proveito possível da relação homem-máquina, considerando mais as perdas advindas com o uso inadequado da máquina do que com questões sobre o trabalhador e a sociedade como um todo.

A sociedade capitalista vai explorar ao máximo a força de trabalho, contando para isso com diversos APARELHOS DE ESTADO, como os Aparelhos Ideológicos: Meios de Comunicação (TV, rádio, jornal, revista, internet...), Igreja, Escola; e os Aparelhos Coercitivos: Polícia, Justiça, Forças Armadas, etc. O Estado então, não é uma força política neutra, que vai gerir a coisa pública em nome de todos e em benefício de todos; mas, irá garantir a dominação de classe. Isto é, vai consolidar a exploração da maioria não proprietária dos meios de produção, por uma minoria proprietária do Capital e dos Meios de Produção (máquinas, prédios, terras, matéria prima).

Utilizando da aparência de instituições neutras, Aparelhos Ideológicos como a polícia, vão trabalhar incessantemente para proteger os interesses do capital, contra a revolta da classe explorada, marginalizada e despossuída. Em Tempos Modernos, são inúmeras as vezes que Chaplin evidencia esse papel ideológico das instituições, como é o caso da polícia reprimindo greves, manifestações de desempregados, ou até prendendo uma menina faminta por ter furtado um pedaço de pão. Em nenhum momento o patrão desalmado que tanto explora e do dia para a noite coloca na rua da amargura milhares de trabalhadores, é molestado pela polícia. Esta vai reprimir uma menina que se recusa a morrer de fome ou ser enterrada viva em um orfanato.

Um dos pontos cruciais da obra-prima de Chaplin diz respeito à questão do consumo e a expectativa que a sociedade industrial traz para as pessoas quanto à posse do maior número possível de gêneros. Carlitos e sua namorada, quando entram em uma Loja de Departamentos pela primeira vez em suas vidas, primeiramente vão até a confeitaria saciar a fome e a sede, para logo em seguida se dirigirem ao quarto andar, onde estão os brinquedos. Da infância feliz que não tiveram, passam para as roupas e móveis, que como adultos também jamais terão condições de possuir. Ao casal pobre resta o consolo de sonhar. Para um sistema que se diz de Pleno Consumo, eis aí uma crítica forte e consistente.

Chaplin reforça a frustração do não consumo em uma sociedade baseada no consumo, quando o seu personagem propõe à namorada pensar como eles seriam felizes morando em uma casa de classe média. Idealiza um casal feliz, com fartura à mesa. Tudo ilusão, é claro! Pois, para a classe a que pertencem, sobra no máximo um barraco velho e abandonado na periferia da cidade.

Ponto importante para reflexão, são as respostas diferentes que os vários personagens deram diante das dificuldades que enfrentaram durante o período de recessão que os EUA vivenciaram na década de vinte, a GRANDE DEPRESSÃO. Enquanto a menina promovia pequenos furtos, seu pai procurava emprego honestamente, ao mesmo tempo que participava dos movimentos operários que tinham como objetivo pressionar o Estado a resolver a crise econômica. Já Carlitos, por ser mão-de-obra não especializada, diante da realidade crua do desemprego, optou por se esforçar ao máximo para ficar na cadeia, onde pelos menos tinha garantida moradia e alimentação. Seu amigo Big Bill, que trabalhou com ele na linha de montagem apertando parafusos, ao ser despedido, acabou optando pela marginalidade mais radical, se juntando a outros desempregados armados para assaltar a Loja de Departamentos.

Quer dizer, o caminho trilhado pelos excluídos vai do pequeno furto ao assalto a mão-armada, e Chaplin mostra desta forma como esta marginalidade é construída socialmente. Isto é, a sociedade é que cria o marginal. A marginalidade é fruto da sociedade excludente, que deixa a maioria sem qualquer possibilidade de sobrevivência e de dignidade, e não uma opção individual de pessoas mal formadas social e psicologicamente.

Além do que, para aumentar a dificuldade do trabalhador, com novas tecnologias sendo incorporadas cada vez mais rapidamente ao processo produtivo, ou ele especializa sua mão-de-obra ou se torna um verdadeiro Pária. Chaplin mostra bem essa dificuldade quando Carlitos fica no emprego que conseguiu no estaleiro apenas dois minutos.

Chaplin aborda ainda, questões como: A convivência de Carlitos (um operário honesto) com grandes marginais, fato que nos leva à reflexão sobre o sistema penitenciário e a escola do crime que se tornou; a idéia de que o patrão tudo pode e tudo vê, com o patrão conseguindo espiar Carlitos até quando ele vai ao banheiro, dando a entender que não adianta lutar contra ele, pois é muito mais forte do que você; a idéia de Exército Industrial de Reserva, onde havia pelo menos uma centena de operários disputando uma vaga, o que facilita e viabiliza a exploração do trabalho por parte do patrão; a máquina alimentadora Bellows coloca a discussão de como o sistema pode chegar à limites inimagináveis para explorar a mão-de-obra, economizando tempo e dinheiro com seus empregados, desconsiderando sua condição humana, já que a máquina alimentadora não foi incorporada ao sistema produtivo apenas porque não era prática; a existência da Heterogestão, quer dizer, o processo industrial se organiza por uma gestão dividida em vários níveis hierárquicos, onde trabalhadores acabam oprimindo outros trabalhadores em nome dos interesses do capital (tem o chefe do chefe do chefe); o Fetiche que as mercadorias representam para as pessoas, até mesmo para aquelas que não podem comprar, apesar de ter ajudado a produzi-las; a idéia de Ordem, colocando como caso de polícia os movimentos reivindicatórios da maioria e como desordeiros seus líderes; a idéia de que fazer o bem é não atentar contra o interesse do capital, está expressa na fala do diretor da penitenciária que diz a Carlitos: Agora saia e faça o bem!

Diante de um barraco construído com tábuas podres, em um pântano, Carlitos explode em felicidade: é o paraíso !!!! No final, de mãos dadas com sua namorada, Carlitos está diante de uma estrada longa, empoeirada, em cujo final espera construir uma vida mais digna. Que estrada seria essa ?

PROPOSTA DE TRABALHOS

1- Refaça o roteiro do filme a partir do momento em que os dois personagens principais foram presos. Reconstitua a vida deles depois da prisão, considerando a vida real .

2- Analise algum ponto importante do filme, que não foi abordado nesta análise ou foi abordada de forma superficial e incompleta.

3 – Na sua concepção, os personagens caminham para onde? Para onde vai levar a estrada que aparece no final do filme?

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